Talvez fosse disso que ela falava, quando dizia que um dia a vontade de escrever voltaria. Há amores que se guardam em silêncio até que o coração, cansado de fingir esquecimento, decide falar.

Ela não sabia ao certo quando tudo começara a fugir-lhe das mãos. Recordava apenas os gestos — o beijo roubado sob a chuva, o olhar cúmplice através do vidro do carro, as mensagens que chegavam sem aviso, como se o acaso tivesse endereço.
Ele aparecia quando menos esperava: nos dias em que o trabalho a sufocava, nas horas em que o cansaço lhe apagava a voz. Chegava e bastava-lhe estar. E, por um instante, ela acreditava que o amor podia mesmo ser simples.

Mas o tempo, esse velho mestre da verdade, tratou de lhe mostrar o contrário.
Vieram os silêncios, as ausências, as despedidas adiadas. Vieram as desculpas ditas em voz baixa e as canções enviadas como confissões disfarçadas.
Ele dizia que era o melhor para ambos, mas os olhos dele contavam outra história — a de quem queria ficar e não sabia como.

Ela tentou compreender. Tentou encaixar-se no espaço que ele lhe deixava, mesmo que esse espaço fosse cada vez menor. Até que um dia percebeu: o amor que sentia já não cabia onde era bem-vindo.

E foi então que entendeu — não era por falta de amor, era por excesso.
Ela tinha sido boa demais, presente demais, verdadeira demais para alguém que só sabia amar pela metade. Ele não suportou a inteireza dela, a forma como o seu amor pedia coragem.

Hoje, ela escreve para lembrar e libertar. Escreve porque há coisas que só deixam de doer quando são escritas.
Aceitou que ele não era para ela, e talvez nunca tivesse sido.
Mas guarda com ternura o que foi — o riso, o toque, o instante em que tudo pareceu possível.

E então ela compreendeu — no mundo dele, não há lugar para se ser verdadeiramente feliz.
Nem para quem o quer bem, nem para quem ele tenta amar.
Há sempre um muro invisível entre o sentir e o viver, uma resistência antiga à paz que o amor traz.
E foi essa certeza, e não a falta de amor, que por fim a fez partir.
Porque no fim, ela percebeu: há corações onde a felicidade nunca encontra morada — nem mesmo quando alguém está disposto a ficar.

Amar não chega quando não se ama o suficiente. 




20/10/2025
Sofia F.